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UMA DÍVIDA HISTÓRICA PARA COM AS MULHERES

Editorial – Por: Alexandro Garcia Ribeiro, presidente do STIM Salto.

Falhamos como sociedade.
Em diversos sentidos, de diferentes maneiras.
Quando nos atentamos à realidade dos fatos, fica difícil engolir a falsa ideia moralista e simplista a respeito do antifeminismo ou os claros objetivos de deslegitimar as questões pertinentes à luta das mulheres. Isso tem vindo, e a história fica sempre à disposição para mostrar, ao custo de muito, muito sangue. Literalmente.
A Violência doméstica e familiar contra a mulher, segundo a Lei Maria da Penha, é qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial (falarei melhor a respeito de cada um mais a seguir), conforme definido no artigo 5º da Lei Maria da Penha, a Lei nº 11.340/2006.
E, a respeito da Lei e desse tipo de violência, temos alguns dados:

Não bastasse esses dados mostrados serem alarmantes, ainda foi constatado que os crimes de lesão corporal por violência doméstica aumentaram 14% nos últimos 3 anos no estado de São Paulo, de acordo com levantamento com bases em dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP) via Lei de Acesso à Informação.
Até o mês de maio de 2019, 88 mulheres foram agredidas por dia por seus maridos, namorados ou ex-companheiros, média de 3,6 por hora.
Isso significa que, embora as causas e as lutas das/pelas mulheres tenham emergido e sejam mais recorrentes, temos noticiado uma onda de violência crescente. É preciso que todos nós nos engajemos perante isso.
Na Convenção Coletiva de trabalho dos metalúrgicos (FEM-CUT), os direitos das mulheres são cláusulas garantidas. Dentre elas a Proteção ao Trabalho da Mulher, que recomenda às empresas que deem apoio, assistência social, orientação jurídica e afastamentos compensáveis para as empregadas que forem vítimas de violência (doméstica ou familiar). O que não impede que isso se transforme conforme o que é revisto e refletido sobre as mudanças, para sempre buscar contemplar toda e necessária proteção à mulher.
É difícil escrever e pensar sobre violência. Embora, para alguns, as manchetes sangrentas sejam sinônimos de popularidade e configure um sádico modismo, o tipo de violência a qual me refiro reflete o silêncio em que nós, como sociedade, nos prestamos quando seguimos estagnados e apáticos, fechando os olhos para isso. Quantas vezes por semana vemos manchetes sobre mulheres que foram agredidas, espancadas, mortas?

Sabidamente não tenho propriedade para dizer sobre o que é ser mulher em qualquer tempo, há 100 anos ou há 2 horas. Não tenho qualquer pretensão de ofuscar ou subtrair um lugar de fala. Mas tenho a obrigação, enquanto ser humano, de utilizar este espaço para, dentre outras coisas, dar visibilidade a esse grito silenciado de socorro, pois esse silenciamento ecoa dor.
Falar sobre violência doméstica é falar sobre como a violência atinge em esferas que vão muito além da lesão corporal. Há inúmeras maneiras de agir com violência. A violência doméstica já é uma ramificação da violência e, mesmo assim, é ampla e abrange uma gama de tipificações. É imprescindível conhecer e compreender a respeito de cada uma, pois isso já denota um exercício importante de conscientização da qual nossa sociedade carece.
Baseando-se no que define a Lei Maria da Penha, existem cinco formas de violência doméstica. A violência física é a mais conhecida, porque estamos habituados a acatar o que aparece, o que é passível de laudos e perícias e, ainda assim, frequentemente vemos esses fatos serem contestados e vítimas sendo colocadas como culpadas. A tal culpabilização – palavra que o Word não reconhece e sublinha em vermelho – da mulher, nada mais é que esse fenômeno que tem por intuito inverter as responsabilidades dos casos de violência doméstica.
E, se até a violência física, tão clara e cruelmente óbvia, é contestada, imagine a psicológica? A violência psicológica é igualmente perigosa, pois é silenciosa e, leigamente, entende-se que não dê sinais “comprováveis”. Mas os danos emocionais não podem ser subestimados, pois impactam em absolutamente tudo e contemplam as consequências de atos como xingar, humilhar, ameaçar, intimidar, desconsiderar opiniões e decisões, debochar, etc.
Existe também a violência sexual, que é qualquer conduta que constranja ou force uma relação. Não havendo consentimento, há violência.
Além disso, há a violência patrimonial, quando há impedimento de acesso aos bens, documentos e recursos econômicos. Mais uma forma de cultivar a dependência e manter o controle a respeito da outra pessoa.
Por último, a violência moral, que configura calúnia, injúria ou difamação. Esse tipo ocorre em locais públicos com frequência.
Tudo isso em um contexto de nação em que a lei não se mostra tão eficaz e, mesmo quando ocorre prisão, a pena dura de 3 meses a 3 anos. Segundo estudos e o que costumamos observar das histórias que conhecemos e ouvimos, é por isso que as mulheres sentem medo de serem perseguidas, punidas ou assassinadas após a denúncia (quando conseguem denunciar). Além de muitas serem dependentes financeiramente e/ou não receberem apoio familiar. Então não. A mulher não “gosta de apanhar”. A mulher não “merece”, a mulher não “pede”. A mulher não é “mulher de malandro”. Existe um contexto que faz com que a vítima paralise e ela não consiga sair desse ciclo de violência.
Agora… Eu não cresci tendo contato com esses dados, com essa perspectiva sobre a vida e a existência da mulher. Mas, desde criança, tive algumas experiências de presenciar certas situações e aquilo me incomodou e me impactou. Eu também precisei e preciso de um contínuo processo de autocritica e conscientização. De desconstrução. Boa parte de nós precisamos, no meu entender, e isso não é vergonha. É desenvolvimento. O mundo tem mudado e precisamos seguir aprendendo e evoluindo, apesar das injustiças, do ódio, dos preconceitos, do retrocesso, da violência. Não dá mais para aceitar tais absurdos, tais vidas sendo perdidas, por um apego cego a uma realidade que só serviu para manchar nossa história enquanto humanidade.

Fontes:https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/violencias/violencia-domestica-e-familiar-contra-as-mulheres/
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/05/14/sp-tem-88-casos-de-lesao-corporal-por-violencia-domestica-por-dia-em-2019.ghtml
http://www.compromissoeatitude.org.br/para-70-da-populacao-a-mulher-sofre-mais-violencia-dentro-de-casa-do-que-em-espacos-publicos-no-brasil/
Canal Superinteressante: “2 minutos para entender – Violência Doméstica”. https://www.youtube.com/watch?v=jv7FWOmMU70